Eu escrevo um caixão de gravetos, uma toca de terra; papiro para untar meus restos mortais. Eu escrevo uma salva de saudade, um funeral de flores; epitáfio para demarcar onde a vida morre em paz. Eu escrevo um esqueleto de cálcio sobre o qual nasço, cresço e morro. Você, antropólogo forense, leia meus ossos e relate em corte marcial os crimes e torturas que a vida e o homem afligiram a minha pessoa.

Me leve pra casa, me leve pra cama; me tome nos teus braços e me leia de corpo inteiro.

Quando leio transformo livro em fichamentos, quando escrevo transformo fichamentos em livro.

Leia a lei.

Eu te leio com a ponta dos dedos, com a curva dos cílios.

Entre eu e o resto da realidade não há intervalos: leia as minhas vértebras.

Li a tua sorte ao apostar a minha.

Leia as profecias em minhas cicatrizes.

Nos teus olhos eu leio números complexos.